Lisiani Rotta

Como uma onda no mar

Por Lisiani Rotta
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Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo o que se vê não é
Igual ao que a gente viu a um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo...


A música do Lulu Santos me veio à mente quando no dia seguinte, ao acordar, lembrei-me de que ela não existia mais. Engoli o choro. Pedir que ela vivesse mais seria injusto com quem resistira ao máximo as provações da vida. Embora o nosso tempo passe num sopro, 91 anos é suficiente pra quem já não conta com boa saúde. As dores e as impossibilidades fazem da lucidez uma chaga a mais. Por que se vive tanto? Ela perguntava seguidamente. Isso me faz pensar sobre essa nossa obsessão pela longevidade. Todos nós queremos que os que amamos vivam o máximo possível, assim como desejamos viver uma vida longa. Porém, viver e sobreviver são coisas diferentes. Enquanto se pode realmente viver, desfrutar a vida, vale a pena sim, continuar. Sempre há o que aprender, ensinar, sentir e inspirar. Quando passamos apenas a suportar a vida, talvez seja a hora de aceitar que o nosso ciclo chegou ao fim. A dor da nossa saudade não é importante diante ao sofrimento de quem amamos. É hora de libertar. Você já percebeu como a cultura ocidental e a oriental têm olhares diferentes sobre a vida e a morte? A milenar Medicina Tradicional Chinesa trata o ser humano de forma integral (energia, campo emocional e físico). Busca um equilíbrio do todo e, sempre, na direção da prevenção. A Medicina convencional ocidental está mais centrada na solução de problemas. A cultura oriental tem um profundo respeito pela hierarquia. Os mais velhos são tratados com reverência, já que são considerados mais sábios. Na cultura ocidental essa relação é mais linear. Horizontal. Com um compartilhamento de ideias mais aberto. Todavia, o que mais diferencia as duas culturas, sem dúvida, é a espiritualidade. O oriental cultiva um despertar do divino de dentro pra fora, enquanto o ocidental é mais expansivo e faz o caminho inverso. O oriental quando está de luto veste-se de branco (cor da pureza, luminosidade, paz), o ocidental veste-se de preto (cor do respeito, da solidão e do medo). Confúcio, um dos pensadores especialistas em filosofia oriental diz que o pensamento oriental convida o ser humano a praticar a virtude como forma de aperfeiçoamento constante. A morte é vista como libertação. O fim do sofrimento terreno. Um renascimento para o plano espiritual ou mundo verdadeiro, onde voltamos à origem da nossa essência divina. Depois da morte os orientais cultivam a “conversa com os antepassados”. Um momento de introspecção e reflexão diante às lápides que mantêm viva a conexão entre as almas, rememoram ensinamentos e reverenciam a existência de entes queridos que partiram. Infelizmente, no Japão moderno, estes costumes estão perdendo o significado devido a um modo de pensar que que dá valor apenas à vida e tenta negar a morte. Isso cria um abismo entre vivos e mortos. O livro A morte é um dia que vale a pena viver de Ana Cláudia Quintana Arantes, nos mostra a importância deste assunto. Devemos falar com mais naturalidade sobre a morte, já que ela faz parte da vida. “Invertendo a perspectiva do senso comum, somos levados a repensar a nossa própria existência e a oferecer às pessoas ao redor a oportunidade de viverem bem até o dia da sua partida. Em vez de medo e angústia, devemos aceitar nossa essência para que o fim seja apenas o término natural de uma caminhada”. Apesar dos pesares, é uma benção viver e morrer cercado pelo amor dos que amamos. Muito obrigada, Dedé (Amélia Rotta), por tudo. Obrigada por fazeres parte da nossa vida de modo tão presente e especial. Com certeza continuaremos as nossas conversas. Estarei atenta aos sinais. Posso imaginar a festa que foi a tua chegada no céu.​

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